03 junho 2008

Cityscope - Mercado Ferreira Borges

Mercado ‘Hard Club’ Ferreira Borges ou como escapar à crise da criatividade ?

Na sequência da entrega à gestão privada de grande parte dos equipamentos públicos, que parece ter virado ‘moda’ aqui na cidade do Porto, também, o Mercado Ferreira Borges vai sofrer um profundo processo de reestruturação. Mas, e ao contrário do caso Bolhão, aqui as coisas parecem funcionar de maneira diferente: há uma empresa de renome na área em que gere o seu negócio, há um projecto de exploração muito claro e há, também, um projecto de arquitectura de um consolidado gabinete de arquitectura (que ainda recentemente ganhou o concurso para o Parque Meyer em Lisboa).
Por essas três razões o processo que envolve o Mercado Ferreira Borges é diferente dos outros casos que estão envoltos em polémica. Mesmo não concordando com a estratégia de dissolução do património público da cidade a programas privados (sem critérios) por parte da Câmara Municipal do Porto sou obrigado a admitir que este caso é diferente. Claro que, e outra vez, o processo foi pouco participado (apenas havia um concorrente) muito por culpa do próprio formato do concurso em ‘tripla’: que compreende a concessão, exploração e projecto de arquitectura. O que à partida limita bastante a possibilidade de encontrar outros parceiros para a gestão desse tipo de equipamentos. Mas a câmara não quer ‘parceiros’, quer apenas ‘clientes’. É o que acontece quando os critérios (e os programas políticos) são limitados.
Mas o Hard Club de certa forma deu uma lição de cultura, o que me leva a pensar que tudo o que eu disse atrás relativamente aos concursos é ‘treta’. Isto é, o problema não se resume apenas ao modelo adoptado pela CMP, mas o que este modelo torna muito claro é a ausência aguda de empresas criativas em Portugal, empresas modernas, que tenham uma visão alargada, europeia e urbana, que vejam a intervenção na cidade não apenas como negócio localizado, mas como oportunidade de investir ‘criativamente’ na cidade, de se expôrem e contribuirem para a revitalização (e rejuvenescimento) de um pólo urbano, do centro histórico. E este parece-me ser o problema fulcral: ao contrário de outros casos como têm sido o Bolhão e a Praça de Lisboa, as coisas estão (ou parecem estar) claras e bem definidas aqui no Ferreira Borges. Porque no caso Bolhão o que incomoda mesmo, é essa sensação que aquilo que nos dizem não é bem aquilo que vai ser, aquilo que ‘aparece’ não é o que ‘parece’, não há uma proposta de e para cidade, há uma proposta (de dinheiro) para a câmara. E a conversa à volta do Bolhão escorrega sempre pelo campo cavernoso dos custos directos, e das rendas, e do financiamento, mas nunca se fala de cidade, de uma estratégia para a cidade. Se a câmara procurasse tão afincadamente apoios e parcerias para o Bolhão como procura tão exaustivamente para organizar corridas de automóveis e vôos de aviões, talvez a história pudesse ser outra.
Porque aquilo que faz confusão no projecto da TCN, é essa indefinição das coisas, dos campos de acção, indefinição dos programas, indefinição da estratégia, indefinição do projecto de arquitectura. Não estamos a falar a um nível de execução e de ajustamento do projecto, mas sim ao nivel global da pseudo-proposta. Tudo parece um jogo, uma espécie de ‘monopólio’, onde se discute tudo menos cidade, e o Bolhão também é cidade.
Voltando ao Ferreira Borges, o paradigma de exploração que o Hard Club apresenta, concordando-se ou não com a proposta, tem esse dom: é uma proposta. Sabemos o âmbito da exploração, da gestão, do tipo de público, do tipo de oferta, sabemos que (e pode-se ler no site) existe uma forte componente de relação com a cidade (existe inclusivamente já uma proposta de horários e de equipamentos abertos à cidade), sabemos o que se altera no edifício, quais as alterações fundamentais que se vão realizar. E no final, há um projecto de arquitectura, feito por um gabinete de arquitectura de renome, os arquitectos lisboetas Aires Mateus. O que nos dá uma certa garantia que os problemas inerentes a uma transformação desse género foram e continuarão a ser equacionados dentro de um quadro de especialistas: que são os arquitectos. Há imagens, há descrições pormenorizadas, há um empenho criativo de intervenção quer por parte do Hard Club, quer por parte da dupla de arquitectos. Há, como já referi, um processo claro, de intenções objectivas, mas que não fica (e isso é o mais importante) limitado às paredes do mercado Ferreira Borges, mas que vai para além delas, vai ao encontro da cidade e de um contexto mais alargado. É um projecto iminentemente urbano e criativo. É o que esta cidade precisa mais, muito para além de contas complicadas, ou de grandes eventos, para além de muito charme, ou de muitos shoppings, precisa de soluções urbanas e criativas, que fujam dessa apatia criada pela crise económica que tem servido apenas para engatarmos de olhos fechados no discurso ‘politico’ da ausência de verbas e financiamento. O regime é o da Tecnocracia. A crise é a crise da criatividade.
#Pedro Bismarck [opozine]
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